Tanto de tudo e nada

Muito do carro, do som
Da marca estampada.
Tanto do tênis de quinhentos
Mais ainda da hipertrofia músculo-esquelético.

Tanto da vida alheia
Das coisas mais etéreas que eternas
Mais solúveis que o tempo.
Muito da moda da tendência, da compra que exige.

Da música monossilábica, nossa! Tanto!
Muito da pose, do álcool.
Tanto do álcool!
Da prudência não muito.

Eternidade da paixão agora instantânea
Que seja eterno enquanto dure um minuto.
Muito do ter sem poder
Do ser sem ser.

Da ioga sem a mente e pelo corpo
Do Segredo pela riqueza
Muito do protesto pelo benefício próprio.
De honestidade, nem tanto!

Muito de tudo para ter
Tanto de poema sem poesia
Do luxo sem conforto
De tanto, de tudo

E nada...

À Manuel Bandeira

Eu também fiz poema
fui simpático
Elogios, fiz
Nada de efeito

Nada de efeito quando eu
esperei por ela
abri a porta
fui cortês

Quando eu
toquei para ela
em domingo de sol
Nada de efeito

Eita mulher difícil!
Atenção, eu dei
Até carinho fiz
E nada de efeito...

Vou fazer como o Bandeira
Presenteá-la com deliciosos doces
com recheio de laxante
Não é possível que também não faça efeito!

Como sair dessa na casa do Noel?

Por quê? Pra que? Quando? Como? Estas permeiam o cotidiano de inúmeras crianças cuja faixa etária não me recordo (que me perdoem as professoras de pediatria). Uma fase do desenvolvimento das adoráveis criaturas, marcada pela curiosidade e uma etapa de retomada da criatividade infantil dos pais, detentores de grande imaginação, inerente à solução de questionamentos socráticos.

É certo que há dúvidas tradicionais que desafiam a passagem do tempo e alojam-se, indubitavelmente, nos cérebros dos pequenos, e por tão freqüente aparição, cursam no subconsciente de pais, respostas já formuladas em épocas remotas, altera-se apenas o modo de quem as conta.

"De onde vêm os bebês?" Tradicionalíssima! Não é privilégio de poucos deparar-se com esta, que para os que não desejam prolongar o assunto, colocam logo uma cegonha, um neonato enrolado em uma frauda ao bico do pássaro e um lugar de localização ignorada e dão por encerrado o papo. "Porque o céu é azul?" Tem-se que admitir que esta se apresenta com restritas possibilidades de respostas, confesso que até mesmo eu, uma criança que já superou esta fase da vida, tenho apenas idéias vagas sobre o fato, algo relacionado aos gases, posição do sol e nada mais que isso. Inobstante, falar da criação do mundo como uma gravura sem o realce das cores primarias e colocar uma caixa de lápis-de-cor nas mãos do Criador pode ser uma alternativa passível de aceitação aos que vivenciam os desenhos animados.

Há situações também que adultos passam por mérito próprio. Não inventar estórias enquanto as dúvidas dos pequenos permanecem em quietude é garantia de não envolver-ser em situações embaraçosas. E uma dessas foi a motivadora desta singela crônica apresentada ao caro leitor, cuja paciência também está sendo posta à prova.

Eu visitava uma das residências do papai Noel, localizada aqui em minha adorável Juazeiro do Norte, uma casa de beleza e requinte digno de elogios mil. Cozinha montada com relíquias da evolução tecnológica: fogão à lenha e uma geladeira que fora lançamento no século que passara. Na sala de jantar louças e talheres postos à mesa davam um ar verossímil ao local. E uma bela árvore de natal, inerente, é claro. Em todos os vãos algo belo aos olhos dos visitantes, em sua maioria crianças acompanhadas por maiores juridicamente.

Um dos maiores, inquieto pelo silêncio do jovenzinho que o acompanhava ocupava-se a discorrer acerca de cada compartimento que eles adentravam

- Olha querido, aqui o papai Noel descansa depois de um longo dia de trabalho e também conversa com os duendes.

- Nossa!

O pequeno exclama.

-Veja, aqui neste quarto, junto a mamãe Noel, ele desfruta desta grande e confortável cama com boas noites de sono, exceto no natal, claro.

- Muito grande pai!

- Este outro quarto com estas duas camas pequenas e estes brinquedos no chão é dos filhos do papai Noel.

E o garoto:

- An? E papai Noel tem filhos?

Imagino que não. Mas pergunto:

Como sair dessa na casa do Noel?

Neologismos

- Aproximem-se! Não sejam tímidos, vocês são privilegiados espectadores da mais "escapilovérica" inovação na área da sapataria. Aposto que jamais viram "parabimboca" igual ou mesmo "supatiaram" em tão surpreendente peça de uso indispensável.


Assim bradava um mestre da oratória, tão mestre que criava termos num piscar de olhos, ou melhor, num gaguejar de palavras. Forçado por sua profissão, camelô, a convencer os transeuntes da inestimável necessidade de possuir suas mercadorias, vez por outra tomava emprestado do lado direito do seu cérebro (conhecido por ser o lado da criatividade) palavras cujos significados desafiavam os mais letrados que ali se encontravam ou até mesmo árcades convictos.

- "Confortadores" para seus calçados. Aposto que ninguém aqui gosta de chegar em casa a noite "estapifado" pelo dia de trabalho e vê um pé cheio de "adricotados" calos. É péssimo! Mas usando este produto, pode ter certeza que você vai eliminar estes episódios de seus dias. Não importa qual seja seu sapato, use estes "confortadores" e torne seus passos mais agradáveis.

Não se podia negar a sensacional arte de persuasão que aquele indivíduo exercia aos que davam ouvidos aos seus argumentos, os quais estavam voltados agora para a queima de grande estoque dos "confortadores". Não se atrevesse tirar dúvidas com ele quem estivesse apenas com poucos tostões no bolso, pois dali sairia sem nada e convencido da boa aquisição que fizera.

Explicava sobre a importância do produto, da garantia, do preço baixo e usava até o marketing da natureza protegida. Segundo ele, o material ali usado era de fonte reciclada e assim atraia os ambientalistas de plantão.

- E serve pra qualquer tipo de sapato mesmo? Alguém questionara.

- Serve sim. Veja só a "amaciedade", a consistência do material. Prove só ai pra o senhor ver como muda. E pra o senhor que é casado, pois estou vendo uma aliança ai no dedo, é melhor levar dois pares se não desejar ter briga em casa hoje, e ser classificado de egoísta. Não vai querer... Querer... "sudativar" uma oportunidade destas, né?

Eu que não me disponho a questioná-lo sobre seus produtos. Do jeito que a coisa está preta é preciso cuidar-se.

- Ei você ai que está me olhando faz tempo. Venha cá experimentar um.

- Eu? Não, não!

Fui.

O flamengo não está em promoção

Não sou um aficionado por partidas de futebol, nem tão pouco é comum gastar meu tempo em assistir amistosos. Um flaflu?! Esporadicamente a convite do meu tio ou primo, diga-se de passagem, estes sim são exemplares flamenguistas. Do campeonato detenho-me a final, esta me atrai. Pra mim ela começa desde os comentários sobre o jogo, provocações saudáveis, uma brincadeira com o time rival, artilheiro ou mesmo conversas sobre a escalação para o grande dia.

Quando a final torna-se passado, e como de costume o flamengo leva o título, eu no máximo estarei com a camisa rubro-negra, um presente dado pelo citado tio, é justo lembrar, e dali avante continua minha vida.

O caro leitor já pode idealizar que não sou um exímio torcedor, mas com isto não conclua que meu coração não é rubro-negro. Digo que é, mas acho razões para quem duvida.

Esta paixão questionada renova-se a cada título e até mesmo a cada amistoso que saímos com a vitória, mesmo que o resultado eu apenas saiba por tabela, no dia seguinte, através dos colegas de faculdade ou das notícias esportivas dos telejornais.

Inobstante, ontem tive outra vez a oportunidade de renovar o orgulho pelo, repetidamente citado, flamengo.

Objetivando comprar um tênis, estava eu em uma loja de artigos esportivos. Enquanto o vendedor fora buscar o número por mim solicitado, demorei-me a vislumbrar camisas, de inúmeras equipes de futebol, que estavam dispostas em cabides sobre uma estrutura à altura dos olhos, algumas belíssimas, outras extravagantes, de acordo com meu conceito. Ao lado delas, em uma mesa de tamanho considerável, setas indicavam “promoção”, "apenas R$ 9,90", apontava uma delas.

Desviei-me para a mesa, nela também várias camisas de times. Muito embora não oficiais, a qualidade era superior ao preço. Após alguns demorados segundos de busca pela cor vermelha no meio daquele emaranhado de tecidos, apenas a do guarani de Juazeiro do Norte achei, inúmeras camisas alvinegras atrapalhavam as buscas, não pretendo rebaixar os times que se utilizam destas cores com este relato, é verídico o que escrevo mesmo sendo cômico e trágico para eles. Pedi então auxílio para minha irmã que me acompanhava. Sem triunfo.

De posse dos tênis o vendedor chegara, foi quando perguntei:

- Sabe informar se há camisa do flamengo nesta promoção?

Então, após um sorriso sutil, ele respondeu o que me motivou a escrever esta crônica.

- A do flamengo não dá tempo ir pra promoção.

Cômico e trágico para mim também que não poderei comprar a camisa do mengo com um bom desconto.

Não parece! Mas ainda bem que sou flamengo.