
Assim bradava um mestre da oratória, tão mestre que criava termos num piscar de olhos, ou melhor, num gaguejar de palavras. Forçado por sua profissão, camelô, a convencer os transeuntes da inestimável necessidade de possuir suas mercadorias, vez por outra tomava emprestado do lado direito do seu cérebro (conhecido por ser o lado da criatividade) palavras cujos significados desafiavam os mais letrados que ali se encontravam ou até mesmo árcades convictos.
- "Confortadores" para seus calçados. Aposto que ninguém aqui gosta de chegar em casa a noite "estapifado" pelo dia de trabalho e vê um pé cheio de "adricotados" calos. É péssimo! Mas usando este produto, pode ter certeza que você vai eliminar estes episódios de seus dias. Não importa qual seja seu sapato, use estes "confortadores" e torne seus passos mais agradáveis.
Não se podia negar a sensacional arte de persuasão que aquele indivíduo exercia aos que davam ouvidos aos seus argumentos, os quais estavam voltados agora para a queima de grande estoque dos "confortadores". Não se atrevesse tirar dúvidas com ele quem estivesse apenas com poucos tostões no bolso, pois dali sairia sem nada e convencido da boa aquisição que fizera.
Explicava sobre a importância do produto, da garantia, do preço baixo e usava até o marketing da natureza protegida. Segundo ele, o material ali usado era de fonte reciclada e assim atraia os ambientalistas de plantão.
- E serve pra qualquer tipo de sapato mesmo? Alguém questionara.
- Serve sim. Veja só a "amaciedade", a consistência do material. Prove só ai pra o senhor ver como muda. E pra o senhor que é casado, pois estou vendo uma aliança ai no dedo, é melhor levar dois pares se não desejar ter briga em casa hoje, e ser classificado de egoísta. Não vai querer... Querer... "sudativar" uma oportunidade destas, né?
Eu que não me disponho a questioná-lo sobre seus produtos. Do jeito que a coisa está preta é preciso cuidar-se.
- Ei você ai que está me olhando faz tempo. Venha cá experimentar um.
- Eu? Não, não!
Fui.
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